sexta-feira, 30 de março de 2012

Requiem a António Tabucchi.

Não podia deixar de falar um pouco sobre António Tabucchi, um escritor que eu aprendi a admirar. Antes de mais por ser um ficcionista que interpretou a minha cidade de uma forma sublime. A minha paixão por cinema, levou-me a conhecer este italiano através de um filme, baseado numa obra sua, "A firma Pereira", talvez o seu livro mais emblemático.Mastroianni, Daniel Auteuil, Joaquim de Almeida, Nicolau Breyner, entre outros protagonizaram uma história de um jornalista com ligações muito arriscadas, no final dos anos 30 em plena ascensão do Estado Novo, na capital portuguesa.

Ele "adoptou" a "cidade branca" como sendo sua e por cá ficou radicado até à sua morte. Muitas vezes é necessário observarmos um lugar como se nunca lá estivéssemos estado, de maneira a podermos descrever as suas características, a sua essência de uma forma simples e clara. Ele conseguia esse desiderato de uma forma apaixonada. No entanto, o livro que mais admirei na sua obra, foi sem dúvida, "Requiem" de 1992. Porque, fundamentalmente ele consegue "quadros" fidedignos de lugares e personagens típicas, aonde todos os que têm Lisboa no coração reconhecem facilmente. Nas entrelinhas desta descrição de um passeio, num domingo solarengo pela capital, sente-se os "cheiros" dos lugares por onde passa, tal é a força da realidade imposta. O livro narrado, sempre na primeira pessoa, revela a mestria da sua escrita, ao contar-nos uma história sem grandes enredos, mas rica no ponto de vista da relação que funde com os vários personagens, que vão surgindo, sempre à espera do "fantasma" de Fernando Pessoa e em particular a sua obra "O Livro do Desassossego".

Um "encontro" com que sempre sonhou, já que estudou e traduziu muitas suas obras para italiano. Várias vezes introduziu na sua ficção a obra pessoana, tal como o fez José Saramago (" O ano da morte de Ricardo Reis") e Amadeu Lopes. Dessa forma  também contribuiu para demonstrar a sua capacidade de compreender o maior vulto da nossa literatura.
 
Aqui fica um pequeno excerto deste livro, como nota de despedida ao italiano mais alfacinha que existiu:

..."Hoje é um dia muito estranho para mim, estou a sonhar mas parece-me ser realidade e tenho de encontrar umas pessoas que só existem na minha lembrança. Hoje é o último domingo de Julho, disse o Cauteleiro Coxo, a cidade está deserta, devem estar quarenta graus à sombra, suponho que seja o dia mais indicado para encontrar pessoas que só existem na lembrança, a sua alma, perdão, o seu Inconsciente, vai ter muito que fazer num dia como este, desejo-lhe bom dia e boa sorte..."

sexta-feira, 23 de março de 2012

Um avental de respeito!

Em todos os Governos, eu tenho um "bichinho" de estimação, a quem eu presto mais atenção por possuir uma série de características muito sui generis. O sr. Relvas é definitivamente o meu escolhido, não pelas melhores razões, mas isso eu posso explicar. Como sabemos em todos os grupos existe um elemento que se destaca dos outros pela sua capacidade intrínseca de liderar, o chamado "alfa" que naturalmente emerge e os outros limitam-se a seguir. Nas matilhas essa escolha é óbvia, porque eles basta sentirem os cheiros e aquilo resulta.Connosco é mais complicado, somos muitas vezes liderados por alguém com o perfil errado. Neste Governo temos um erro de "casting", o "alfa" é o Relvas mas o senhor de Massamá é que está em S.Bento. Quem mexe os cordelinhos todos, e quando digo todos, são mesmo quase todos, é o Relvas. Lá na loja é ele que veste o avental e a "clientela" sabe com quem falar antes de decidir. Na minha opinião, ao contrário da Manuela Ferreira Leite, este não iria suspender a democracia só por 6 meses. Nota-se que no seu ADN  existem propriedades muito semelhantes a certos senhores que por cá andaram durante o Estado Novo.

Costuma ser sempre o principal "apóstolo" de Passos, esta lá sempre a seu lado, para o amparar nos momentos mais difíceis. Recordo-me do episódio recente da demissão do secretário de Estado da Energia. Antes do Primeiro Ministro ter tempo de explicar alguma coisa, apareceu ele com o seu cinismo característico, declarar a normalidade do acontecido, o Governo prosseguia forte e coeso. Enquanto Passos metia as mãos pelos pés no Parlamento por causa do duplo pagamento à Lusoponte, quem apareceu para colocar tudo no seu lugar?- Exactamente o mestre maçon.Quando alguém pisou o risco na RDP1 falando mal dos amiguinhos angolanos das negociatas, foi ele que mandou Luis Marinho "arrumar a casa".

Apesar da crítica dos autarcas do seu próprio partido à reforma administrativa que quer levar por diante, defende que irá lutar por um futuro melhor para os portugueses, custe o que custar!- Admirável a sua devoção à causa que se apelida de programa do Governo, quando todos sabemos a quantidade de decisões adiadas, como por exemplo, quanto à taxação dos grandes grupos empresariais ou a reforma na justiça e na educação.

Por fim, refiro-me à sua tirada de mestre quando disse do alto do pedestal, "...juventude bem preparada que emigra". Que tristeza ouvir isto da boca de um homem com a sua responsabilidade, parece-me algo inédito e triste. Por enquanto ainda vamos podendo escrever estas ideias, mas fica o aviso à navegação. Um dia destes o Relvas vai querer chegar mais longe e aí, ainda vamos ter muitas saudades do Cavaco, do Sócrates, do Passos, do Durão e de todos os outros que nos lixaram o País.






domingo, 18 de março de 2012

Pedrada no charco!

"Sangue do meu Sangue" é uma pedrada no charco e para este secretário do Estado da Cultura é inconveniente. Agora percebo um pouco melhor a irritação de Rita Blanco num telejornal, à pouco tempo. Ela que foi uma das interpretes deste filme de João Canijo e apercebendo-se desta opção redutora de um Governo que despreza o cinema português e a cultura em geral, naturalmente que se sente revoltada. Depois dos Prémios que recebeu no Festival de San Sebastian, agora acaba de vencer o Grande Prémio de Júri de Miami, além de menções honrosas em Toronto, Rio Janeiro, etc...Isto acontece num ano aonde a produção nacional está reduzida a pequenos esboços que tendem a não sair de projectos.

"Sangue do meu Sangue" é um filme que nos fala do amor incondicional, daquele amor que só as mães sabem dedicar às suas crianças.Em sintonia com esses afectos existe drama e a descrição de algo muito real, as relações que se gerem num bairro com muitas dificuldades. Rita Blanco talvez desempenhe neste filme o papel da sua vida, sem dúvida magistral, tal como Anabela Moreira (excelente surpresa) ou Cleia Almeida. Um filme essencialmente de mulheres.Canijo filma o Bairro Padre Cruz com uma lente muito "transparente". Revela a sua história, dando-nos pistas sobre um desenlace mais que evidente num local com estas características. Muitas vezes desejamos estar a assistir a uma ficção desproporcionada da realidade, mas infelizmente temos de sair da nossa zona de conforto e mergulhar bem fundo neste mundo.Às vezes, mesmo ali ao virar da esquina.

Neste filme, a banda sonora impressionou-me de uma forma estranha, porque o som advém das frágeis estruturas que representam as habitações e os sons provenientes desses espaços. As paredes vizinhas são meras folhas de papel aonde a privacidade se desvanece de uma forma colossal!- Tudo se ouve de um lado para o outro, os sons da televisão são disso prova sintomática. Este "voyeurismo" é no fundo peça fundamental à forma como decorre o próprio argumento.

Se continuarmos a "dormir", um dia destes não vamos poder congratular-nos, nem com estas pequenas "pérolas".

quinta-feira, 8 de março de 2012

A história repete-se?

Mais um daqueles iluminados que por cá aparecem de vez em quando, ainda por cima com o epíteto de Nobel da Economia, veio afirmar em conferência solene que os trabalhadores  têm de auferir cerca de 20 a 30% menos nos seus salários para nos tornarmos competitivos com o resto da Europa. Nem precisei de ouvir mais, calculei logo que este senhor Krugman é um perito encomendado por os senhores do costume. A par desta ideia brilhante, o nosso Governo, vai de propor uma série de soluções para baixar a taxa de desemprego no mais curto do espaço de tempo possível. Avançaram logo com gestores para os desempregados, uma ideia pomposa para iludir os portuguesinhos. Como se alguém acreditasse que vamos ter uma pessoa a tomar conta do nosso futuro e de agora em diante, temos de confiar nas suas sábias soluções. Basta esperar... Dar incentivos financeiros e fiscais às empresas que coloquem nos seus quadros, estagiários e jovens à procura do primeiro emprego. Outra boa medida, sem dúvida. Mas temo que precária e só para baixar momentaneamente a taxa, porque mal os incentivos esmoreçam, estes jovens têm o destino marcado. Não nos podemos esquecer que para novos contratos é muito mais fácil despedir. Mas o Governo prepara-se para mais um daqueles truques sujos para demonstrar que a taxa irá descer para meados de Maio, e como?- O emprego sazonal. Principalmente numa das maiores industrias que temos neste País. O Turismo, indústria essa que se aproveita do desespero das pessoas para lhes dar, por três a quatro meses, um cheirinho do que seria terem um emprego estável durante o ano inteiro. Uma ilusão a que todos estão sujeitos, mas que têm  todos os anos o mesmo epílogo!

                É verdade que este fenómeno não será exclusivo do nosso burgo, mas basta olharmos para a história, após a Revolução Industrial, para compreendermos um pouco daquilo que nos está a acontecer. Após essa fase, havia um excedente de procura e pouca oferta, muitos milhares rumaram ao Novo Mundo, um fluxo migratório muito consistente. Depois da Depressão do inicio do século passado, quando se conseguiu um equilíbrio entre os interesses dos trabalhadores, defendidos por sindicatos recentemente criados para esse fim, e a função principal dos empresários que será sempre tornar o trabalho mais produtivo e lucrativo, assistiu-se ao período mais estável e duradouro crescimento da história.Depois, veio aquele tempo em que se começaram a colocar na mão de uns tantos matemáticos e economistas, a forma de rentabilizar (ainda mais!) as suas empresas com os mesmos recursos. Começou-se a retirar poder negocial aos trabalhadores e os lucros em vez de serem investidos em mais unidades produtivas começaram a ser canalizados para actividades especulativas. A taxa de desemprego começava assim a sua ascensão. Entretanto as famílias endividaram-se, porque queriam manter os seus padrões de bem estar, previamente atingidos e recorriam à banca de uma forma irresponsável.Para fechar este quadro, nada melhor do que referirmos a confiança absoluta no poder incontrolado dos mercados por parte dos que detém o capital e seus gurus.

            Termino com a seguinte questão. Que função social útil desempenham hoje em dia os nossos empresários?

sábado, 3 de março de 2012

Canções sem Mordaça.

Ao longo dos tempos a música de contestação têm tido um papel fundamental na sociedade, como forma de chamar a atenção para os problemas que nos afligem, por vezes camuflados. Não discuto aqui a qualidade dessa música, até porque a selecção que aqui apresento é bem diversificada em termos de estilos. Pretendi com estes  vídeos, fazer uma viagem através das ultimas 4 décadas.


                    Zeca, o símbolo máximo dessa dita música, que perdura e representa a tenacidade de um homem que insistiu lutar contra um regime déspota. Sérgio Godinho que pegou na herança do Zeca, a par do José Mário Branco, Fausto, Vitorino, Janita Salomé, etc...e trouxe até aos nossos dias a importância de nunca deixarmos de produzir música de intervenção. O papel dessa música, não deixa de ser importante porque vivemos em democracia, aparentemente muita gente pensa dessa forma, mas hoje revela-se mais importante do que nos tempos da ditadura. Todos os dias, basta lermos nas entrelinhas e escutarmos com atenção, para chegarmos à conclusão que precisamos de estar muito alertas. Muitas dessas letras que hoje ouvimos, são atacadas como demagógicas ou pretensiosas, elas apenas representam a voz da consciência popular, a maioria das vezes. Servem também como um despertador para os poderes instituídos

                  Mais recentemente, temos algumas melodias de contestação interpretadas por grupos que não são identificados por essa matriz, mas que sentiram necessidade de transmitirem esse sinal de alerta, porque a situação piora a olhos vistos. Casos dos Xutos, Deolinda e mais recentemente de A C Boss.

                  Termino com um excerto de uma entrevista dada por Adolfo Luxúria Canibal, o ano passado, quando lhe perguntaram qual o papel da música nas transformações sociais e políticas:


..."A música certa na ocasião apropriada é sempre passível de constituir uma boa banda sonora, e isto em todos os momentos da vida, privados ou colectivos. Pode, enquanto tal e numa qualquer contestação ou transformação social e política, ser factor de união e de referência, veículo catalisador de anseios e aspirações. Na melhor das hipótese, consegue reflectir, ao integrá-lo e exprimi-lo, um mal-estar geral dissimulado ou um desejo comunitário latente e, nesse caso, quanto melhor o integrar e exprimir melhor funciona enquanto bandeira da sua consciencialização e mais apta se torna a federar vontades atomizadas. Na pior das hipóteses, consegue transfigurar-se numa palavra de ordem – se é que ainda podemos falar de música quando isso acontece! Mas, seja como for, é sempre ornamental em relação às transformações sociais. Porque, por si só, a música não gera movimentos colectivos de contestação política nem provoca transformações sociais..."

               
                                       "Tiago Capitão"- Mão Morta
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