A Calouste Gulbenkian, a meio dos anos 80, costumava apresentar no seu principal auditório, ciclos de cinema com os mais variados temas. Lembro-me de ter assistido a um filme que nunca esquecerei e faz parte de um conjunto de obras que talvez por não ter sido bafejada com nenhum Óscar (apenas dois Globos de Ouro) ficou esquecida na poeira dos tempos. Um dos chamados, filmes da minha vida. "
Era uma vez na América" de Sérgio Leone, com banda sonora assinada pelo grandioso Ennio Morricone. A saga de um conjunto de jovens judeus nos princípios do século passado, num bairro de New York. A Depressão ditava as suas regras e este conjunto de rapazes dedica-se ao crime como forma de ultrapassar as dificuldades.As quase três horas e meia (!) de filme relatam as suas vidas durante quatro décadas, com saltos no tempo, muitos
forwards e
flashbacks que me agarraram ao écran, de tal forma que não dei pelo tempo. Esta produção italo-americana tinha além de tudo uma fotografia de um grande mestre, Tonini Delli Coli e quero pegar neste aspecto para associar a um momento, aonde por um conjunto de circunstâncias voltei-me a lembrar da imagem mais emblemática do filme. Um conjunto de rapazes passeia junto a um dos pilares da famosa Ponte de Brooklyn, numa zona industrial, aonde os armazéns estão aparentemente despidos de acção laboral e o sépia utilizado ainda torna mais denso o dramatismo da imagem.
Estamos perante uma crise profunda e quando olhamos para esta Depressão do outro lado do Atlântico, à um século atrás,começamos a pressentir que algo semelhante está para chegar. Num destes dias, fui participar numa feira de artesanato numa Fábrica abandonada (entretanto aproveitada para eventos culturais que renovaram a zona, agora apelidada de LX Factory) ali para os lados de Alcântara, junto aos pilares da Ponte 25 de Abril. Neste local lembro-me de ter tido o impulso de tirar o telemóvel do bolso e registar esta imagem.Aquele ambiente fez-me recordar o tal filme que assisti em 1985. Ás vezes o nosso cérebro prega-nos partidas e sentimos que estas
associações não são por mero acaso. Uma imagem vulgar torna-se um
símbolo de um momento específico, revela um mistério que temos de deslindar.
Devem existir, como é evidente. muitas paisagens como esta, por esse País fora.Fábricas abandonadas, ruas desertas, portas emparedadas, linhas desactivadas, pessoas nostálgicas com as rotinas que no seu quotidiano faziam a caminho dos seus empregos, gente desesperada por ver sem vida, locais que outrora fervilhavam com o seu labor. Silêncio, só silêncio.
2 comentários:
Sublime, amigo.
A foto, a tua foto, (também) um dos filmes da minha vida, a minha Alcântara natal, o teu texto, o silêncio e o silêncio a sépia. Obrigado. Aquele abraço.
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