terça-feira, 16 de agosto de 2011

Se Bem Me Lembro



Eu enquanto jovem era um incondicional viciado em tudo o que passava na televisão. Era um tempo aonde os meus amigos fugiam de casa para jogar com uma bola de plástico na rua. Eu, muitas vezes fugia para ver televisão ou na taberna-carvoaria mais próxima ou na casa de uma rapariga paraplégica que se chamava Berta, ali para os lados da velha Mouraria em Lisboa.

Refiro estas memórias porque li à poucos dias que vão privatizar a RTP dentro em breve e recordo-me desses anos sessenta aonde serviço público era mesmo à séria. Alguns senhores entendidos neste assunto vieram logo a terreiro criticar esta iniciativa, porque deixamos de ter um canal que não privilegia o tal serviço público e irá pautar a sua programação por critérios puramente economicistas, à semelhança da TVI e da SIC. Ora é preciso ser muito cego para não reparar que é isso o que a RTP1 faz desde à longos anos, apenas faz concorrência na luta por audiências, valha-nos a RTP2, que essa sim ainda vai disfarçando essa sua faceta no meio audiovisual português, apenas exagerando com o tempo de antena que dedica aos mais novos. Pinto Balsemão, têm alertado e bem para a falta de transparência e rigor nas sucessivas linhas programáticas dos sucessivos Conselhos de Administração que têm passado por essa estação, que se diz de cariz público e depois é tudo falso.
Mas voltando ao passado, eu não posso deixar de referir um momento que me fascinava na RTP, por razões que passo a explicar. Existia um senhor que entre 1969 e 1975 tinha um programa que se chamava "Se Bem me Lembro",um açoriano de nome Vitorino Nemésio. Ora, quando este senhor aparecia eu ficava plantado à frente do écran sem perceber patavina do que ele dizia e rezava para que aquilo acabasse depressa, porque a seguir vinha o Cartaz TV do saudoso Jorge Alves, começava com desenhos animados e no final repetia, era um preview que mostrava um bocadinho dos programas que iriam passar na semana seguinte, uma pérola muito aguardada por mim... Mas este Vitorino Nemésio era realmente um fenómeno porque detinha características únicas. À pouco tempo lia na revista "Sábado" um artigo de opinião assinado por José Pacheco Pereira que passo a transcrever por exprimir tudo aquilo que penso deste vulto maior da nossa cultura:

..."O que me interessava em Nemésio era exactamente tudo aquilo que hoje a televisão não valoriza. Ou seja, um homem, ainda por cima um velho, cheio de rugas, que falava com sotaque, que não preparava os programas, que hesitava e mudava de tema, deixando-se ir na sua própria conversa, que parava para pensar e parava para dizer, repetia para dizer melhor, que tinha um tempo lento e usava palavras que hoje acharíamos muito difíceis, e que passava em “horário nobre”, absoluta impossibilidade nos dias de hoje..."

No tempo do preto e branco o fascínio por aquele vidro mágico que difundia imagens como a chegada do Homem à Lua era impossível de explicar aos jovens nesta era do computador, aonde qualquer inovação tecnológica é recebida com total indiferença. Tudo acontece muito rapidamente e a magia desapareceu.