terça-feira, 27 de setembro de 2011

Monte Santo.


Terra

" Onde ficava o mundo?
Só pinhais, matos, charnecas e milho
para a fome dos olhos.
Para lá da serra, o azul de outra serra e outra serra ainda.
E o mar? E a cidade? E os Rios?
Caminhos de pedra, sulcados, curtos e estreitos,
onde chiam carros de bois e há poças de chuva.
Onde ficava o mundo?
Nem a alma sabia julgar.
Mas vieram engenheiros e máquinas estranhas.
Em cada dia o povo abraçava outro povo.
E hoje a terra é livre e fácil como o céu das aves:
a estrada branca e menina é uma serpente ondulada
e dela nasce a sede da fuga como as águas dum rio."

Poesia de Fernando Namora




..."Cansado de estar de cócoras em frente do bicho. A moleza do corpo não lhe permitia tal posição.
O sol viera adormecer os nervos, trazendo quebranto e desleixo aos músculos, como se um afago morno tivesse furado a cortina das nuvens para lhe vestir a carne friorenta com uma indolência entorpecente. Por isso os gestos do Pencas se espreguiçavam; por isso os seus membros eram vermes deliciados e o cérebro se esvaziava numa cálida zona de volúpia, todo ele sem forças para se interessar pela tortura da cobra. Esta, resignada ali na sua frente, fazia-lhe apetecer os dias rubros de soalheira, as vinhas, os baldios, os lagartos torrando-se no cimo das fragas, vida quente e livre, sem aquelas necessidades miseráveis de comida, botas, tabaco e vinho"...


Depois de umas belas férias, lembrei-me de evocar Fernando Namora e o livro que escreveu em 1951 "A noite e a Madrugada", dado que ele o escreveu na bela aldeia de Monsanto, aonde eu passei um dia inesquecível. Esta aldeia é indescritível e só quem se senta naqueles penedos compreende a suprema leveza do ser, o cheiro que emana daquelas pedras e sobretudo a paz que nos invade. O silêncio perturbou-me nesta bela tarde de Setembro, será difícil imaginar o que será, passarmos uma noite de inverno rigoroso, refugiados num destes belos abrigos de pedra que nos rodeiam.

Fernando Namora escreveu também neste lugar "Retalhos da Vida de um Médico", que depois até foi adaptado ao cinema no ano em que nasci, 1962, por Jorge Brum do Canto. Garanto-vos que quem visita o local poderá perceber facilmente a razão da eleição deste lugar ermo e calmo para inspirar a escrita e desenvolver a sua carreira de médico, já que a exerceu num consultório que está bem referenciado numa rua com o seu nome.

Muitas vezes na nossa vida encontramos esquinas, aonde por momentos desejaríamos perpetuar a nossa estadia e desfrutar as vistas até à exaustão. Momentos perfeitos.