Neste blogue, era uma lacuna muito grande da minha parte, nunca ter dedicado algumas palavras a um dos homens da cultura portuguesa que mais admirei. Apesar da sua clarividência cortar a direito não poupando nunca a mesquinhez e a mediocridade, não deixou de ser condecorado pelo Estado e reconhecido em vários prémios nacionais e internacionais. Mário Viegas não tinha paciência para as tricas do "porno"sensacionalismo quotidiano, não pactuava com esquemas de promoção e subsídios fáceis em troca do seu silêncio. Na sua curta estadia entre nós, granjeou mais inimigos do que amigos, porque aquele olhar, as suas pausas, o seu sentido de humor e inteligência, incomodava muito boa gente.
Nasceu em Santarém, em 1948 e cedo se notabilizou como actor, no Teatro Experimental de Cascais, aonde se estreou com a peça, "O comissário de polícia" em 1968. Ao longo da sua vida, foi fundador de três companhias de teatro, a ultima das quais, a já mencionada Companhia do Chiado, aquele estúdio ao lado do Teatro de S.Luiz, que ficou com o seu nome.Uma homenagem mais do que merecida.
Foi nesse espaço que ele um dia, agarrou o texto do Almada e adaptou-o a um Manifesto Anti-Cavaco. Ao ouvi-lo, sentimos a sua actualidade, basta mudar alguns personagens e colocar lá outros. Os medíocres serão sempre reconhecidos, pelas suas características intrínsecas.
Quem não se lembra de um saudoso programa da RTP, "Palavras Ditas", aí sim lembro-me do que era serviço público. Era delicioso, ouvir Viegas declamar Fernando Pessoa, Jorge de Sena, Raul de Carvalho, Cesário Verde, José Régio, Vinicius de Moraes, etc... Quem se atreveria hoje em dia a apostar num programa dedicado à poesia?
Podíamos falar também do seu percurso no cinema, aonde participou em 15 filmes, entre os quais eu destaco "A Divina Comédia"do centenário Manoel de Oliveira, "Sem Sombra de Pecado" de José Fonseca e Costa ou "Rei das Berlengas" do também inesquecível Artur Semedo.
O seu espólio, é um legado a todos aqueles que continuam a acreditar que deveríamos sempre falar primeiro e depois pensar. Mário há só um, o Viegas e mais nenhum!