terça-feira, 25 de agosto de 2009

Saudade.

-Agora que se comemoram 80 anos do nascimento de José Afonso, achei por bem deixar aqui um registo ao vivo no Coliseu. Aliás um dos seus últimos concertos ao vivo. Numa galeria de pessoas que eu tenho vindo a salientar neste blog, não podia deixar de falar sobre este nome maior da luta contra o Estado Novo, além de muitas outras vertentes notáveis que compunham a sua personalidade. Apesar dos quase 35 anos sobre a Revolução, continuamos por realizar muitos dos sonhos, por os quais este homem lutou tenazmente. Quando vamos a uma repartição pública, por exemplo, ainda sentimos alguma sobranceria por parte de certas pessoas que se julgam senhoras de um qualquer poder autocrático. A própria forma como alguns dos portuguesinhos se dirigem a esses mesmos balcões, com alguma deferência e submissão, leva-me a crer que estes anos todos ainda não chegaram para nos libertarmos de quase meio século de clausura. Estará no nosso código "genético" como marca indelével, esta forma de nos agacharmos com tanta facilidade?
- Grande Zeca deve dar voltas e mais voltas na sua tumba e deverá perguntar-se "Porque demora tanto tempo a acordarem?"
- Em 1983, já com notórias dificuldades ele esteve no Coliseu e passou mais uma vez a sua mensagem que nunca cansou de nos cantar. Doar a sua forma de sentir o povo, a forma como sentia a fraternidade entre as diversas classes sociais, ser real, independentemente da opinião dos seus interlocutores, encarar os problemas a ultrapassar de frente e sem complexos. Este homem do povo e que sabia estar com o povo, era simples e se fizeram dele um mito, penso que o seu legado deveria ser aproveitado para efeitos mais práticos e úteis e não para o endeusar. Ele rejeitaria essa pretensão. Deveríamos pensar um pouco mais na sua vida e seguir alguns dos seus conselhos, talvez assim pudéssemos trilhar um outro caminho, mais solidário e mais justo.


A Morte Saiu à Rua

Zeca Afonso

A morte saiu à rua num dia assim
Naquele lugar sem nome para qualquer fim
Uma gota rubra sobre a calçada cai
E um rio de sangue de um peito aberto sai

O vento que dá nas canas do canavial
E a foice duma ceifeira de Portugal
E o som da bigorna como um clarim do céu
Vão dizendo em toda a parte o Pintor morreu

Teu sangue, Pintor, reclama outra morte igual
Só olho por olho e dente por dente vale
À lei assassina, à morte que te matou
Teu corpo pertence à terra que te abraçou

Aqui te afirmamos dente por dente assim
Que um dia rirá melhor quem rirá por fim
Na curva da estrada à covas feitas no chão
E em todas florirão rosas de uma nação