terça-feira, 4 de agosto de 2009

O País Relativo

"País purista a prosear bonito,
a versejar tão chique e tão pudico,
enquanto a lingua portuguesa se vai
rindo
galhofeira comigo.

País que me pede livros andejantes
com o dedo, hirto, a correr as
estantes.

País engravatado todo o ano
e a assoar-se na gravata por engano.

País onde qualquer palerma diz,
a afastar do busílis o nariz:
- Não, não é para mim este país!
mas quem é a bàquestica sem lavar
o sovaco que lhe dá o ar?

Entrecheiram-se, hostis, os mil
narizes
que há neste país.

País do cibinho mastigado
devagarinho.

País amador do rapapè do meter butes e do parlapié,
que se espaneja, cobertas as miudas,
e as desleixa quando já ventrudas.

O incrível país da minha tia
trémulo de bondade e de aletria.

Moroso país da surda cólera
de repente que se quer feliz.

Já sabemos, país, que és um
homenzinho...

País tunante que diz que passa a vida
a meter entre parêntesis a cedilha.

A damisela passeia
no país da alcateia,
tão exterior a si mesma
que não é senão a fome
com que este país a come.

País do eufemismo, a morte dia a dia
pergunta a mesureiro. Como vai a vida?
País dos gigantones que passeiam
a importância e o papelão,
inaugurando esguichos no engonço
do gesto e do chavão.

E ainda há quem os ouça, quem os
leia,
lhes agradeça a fontanária ideia!

Corre boleada, pelo azul
a frota das nuvens do país.
País desconfiado a reolhar para cima
dum ombro que, com razão duvida.

Este país que viaja a meu lado
vai transido mas trasistorizado.

Nhurro país que nunca se desdiz.

Cedilhado o cê, país, não te revejas
na cedilha, que a palavra urge.

Este país, enquanto se alivia,
manda-nos à mãe, à irmã, à tia,
a nós e à tirania,
sem perder tempo nem caligrafia.

Nesta mosquitomaquia
que é a vida
o país,
que parece comprida!

A Santa Paciência, país, a tua
padroeira,
ja perde a paciência à nossa cabeceira.

País pobrete e nada alegrete,
baú fechado com um aloquete,
que entre dois sudários não contêm
senão
a triste maça do coração
...."

- Este excerto de "Feira Cabisbaixa" de Alexandre O´Neill foi editado em 1965 e se analisarmos bem estes ultimos 50 anos, não mudou muito, todas estas caracteristicas dos nossos portuguesinhos.Confesso que me continua a custar muitíssimo, estes contínuos atrasos no nosso desenvolvimento, a partir da nossa emanicipação em termos de democracia plena, mas este "deixa andar" transformou-se numa imagem de marca. Tal como o grande poeta disse "...País engravatado todo o ano..."

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